Discurso da professora Carmelita Guimarães em 1966

Exma. Srª Diretora
Distintas professoras
Bondosas auxiliares administrativas
Caros meninos da Vila Reis
Seleta assistência

Na longa estrada da minha vida, nem sempre alcatifada de flores, tenho algumas vezes deparado dias afortunados, surpresas que me encantam, que me emocionam, capazes de me proporcionar conforto à alma e alegria ao  coração. E, entrada na idade em que quase todos somam apenas desilusões, eu posso afirmar-vos que, precisamente, neste quadro final, mais de uma vez, tive ocasião de acreditar que a velhice não é só um longo gemido de saudade. É que, se ainda moça, vi fugirem-me esperanças, sonhos docemente acalentados, a que toda criatura tem direito, se me senti quase só, orfã dos carinhos de meus familiares... sem quase o pressentir, fui construindo uma família numerosa, entre aqueles com os quais passei a privar - meus alunos, minhas alunas, meus diretores, meus colegas. Parentes e amigos, sempre os tive e ainda os tenho, sinceros, dedicados, prontos a encher o vácuo que em minha alma pudesse fazer-se. Se alguma ingratidão, algum mal entendido, me trouxe tristeza à alma sensível, o que tenho recebido em atenções e carinho é suficiente para lançar um véu de esquecimento sobre aqueles momentos amargos. Deus sempre constroi um pouso, uma parada, um refrigério, numa longa caminhada.
Nunca ambicionei mais do que mereço, e, se alguma vez, alcancei mais do que mereci, foi por absoluta bondade de meus amigos, como neste momento se verifica. Não pretendo fazer aqui o histórico de minha vida; seria fastidioso e eu não desejo o vosso sacrifício.
Quero afirmar-vos que é este um dos meus momentos mais felizes. A vossa generosidade me encanta, e eu me sinto tão pequenina que nem sei dizer-vos como vos estou agradecida.
Quando um telegrama do nosso digno representante na Câmara Estadual, o Exmo.Sr.Dr.Geraldo Silveira, me dava a notícia de que meu nome, meu pobre nome, por decreto do Exmo.Sr.Dr. Magalhães Pinto, então governador de nosso estado, fora dado a um grupo escolar desta cidade, eu, emocionada, quase descrendo do que meus olhos liam, pensei: - é grande a honra, mas ... é, a última. Enganei-me: não era a última. E aqui estou, recebendo de vós: diretora, professoras, auxiliares da administração e alunos do grupo que me honra o nome esta homenagem que marca uma das passagens mais enternecedoras de minha vida.  Se conseguir alcançar o céu, nem lá me esquecerei do acontecimento que hoje aqui se concretiza.
Gosto das carinhas e dos carinhos das crianças da Vila Reis. Desde o primeiro aluno matriculado neste grupo, até o último matriculado este ano, todos merecem a minha estima e a todos desejo completo êxito em seus estudos. A Deus peço, nestes dias perigosos que vivemos, não os deixe enveredar pelos caminhos que conduzem à perdição.
Não há admirar que o mais pobrezinho, ou um dos mais pobrezinhos dos alunos deste grupo venha a ser um grande homem, um grande brasileiro, e, amparado pela mão de Deus, possa até salvar o Brasil. Qual de vocês quererá ser esse heroi? - E que falar desses adultos, que, cansados do labutar de um dia inteiro, encontram tempo e vontade para virem aqui, em busca da instrução, que lhes garantirá melhores dias no futuro. Esses compreenderam que o homem iletrado, por muito trabalhador, inteligente e honesto que seja, jamais gozará das prerrogativas asseguradas àqueles cujo espírito é mais esclarecido. Além de que, poucos prazeres a vida oferece que se possam comparar ao do saber. Estudem, estudem; que cada um, pequeno ou grande, procure ser dos primeiros, sem, todavia, desprezar os últimos.
Suas professoras, quais outros Anjos da Guarda, os levarão, com seus conselhos e ensinamentos a seguir o bom caminho, a praticar a doutrina de Cristo,e, assim, os ajudarão a desviar-se da estrada do mal. E o bom aluno respeita e ama a sua professora.
À diretora, ao corpo docente e às auxiliares administrativas deste estabelecimento, que tantas simpatias tem despertado em nosso meio, a todos sou devedora de imperecível gratidão pelas atenções e carinho com que sempre tem distinguido a velha mestra, honrada hoje com o título de patrona deste grupo.
Dentre as professoras, quero  citar o nome de uma; não que eu estime menos as outras, não, a todas quero muito bem, todas merecem minha estima e admiração, mas Ruymar Miranda Branco tem a diferença de ter sido minha  aluna, é uma amizade mais antiga: uma lembrança do passado. Sei que ela não deslustra aqui o nome da Escola Normal Nossa Senhora do Carmo, ao tempo da ex-professora que ora vos fala.
Diretoria e professorado do Grupo Escolar "Carmelita Guimarães", sei que não precisais eu vos dirija palavras de incentivo ao cumprimento de vossos deveres, nem autoridade tenho para isso. Todas vós sabeis e quereis fazer  o melhor, e é com devotamento que vos consagrais ao magistério.Embora não participe de vossos trabalhos, embora poucas vezes me tenha sido dado o prazer de visitar o vosso grupo, não perco ocasião de me informar de sua vida. O que desejo, pois, é louvar o vosso esforço, o vosso entusiasmo.
A bondosa Lourdinha, a diretora está de parabéns por ter sido, entre nós a pioneira das "hortas escolares". A ela e aos que com ela colaboram nesse interessante mister, eu quero apresentar efusivos parabéns e aproveitar a oportunidade para agradecer, penhorada, as excelentes ervas e legumes com que me obsequiaram.
Uma delícia! E o jardim? Que pensar da impressão do visitante que, logo ao chegar, depara com uma cópia de flores que, parece, foram ali plantadas para recepcioná-lo? E ainda outros consideráveis melhoramentos, introduzidos depois de minhas últimas visitas, tudo fala do trabalho  e do bom gosto da diretoria deste grupo e do seu corpo de professoras e demais auxiliares.
O retrato, que a vossa bondade inexcedível quis figurasse neste templo de ensino, vos recordará sempre uma professora igual às outras que conheceis, e cujo único galardão é ter sabido cumprir o seu dever, amando o magistério e amando os seus discípulos.
Contando agora 85 anos, agradeço ao Senhor poder estar ainda aqui, entre vós, recebendo essa homenagem que fala bem alto da vossa magnanimidade, da excelência de vossos corações.
Referindo-me à minha idade, reporto-me ao dia 08 de setembro, e não posso deixar passar a oportunidade de agradecer ao Grupo, com toda a efusão de minha alma, o maravilhoso bolo de aniversário que me ofertou, por intermédio da professora Ruymar e duas gentis alunas. Bolo e visita me encantaram. Deus lhes pague.
Passou há pouco, o Dia da professora... Justo lhe seja consagrado um dia a ela, que consagra a seus alunos todos os dias do ano letivo. A professora, seriamente compenetrada de sua missão, é inegavelmente merecedora do respeito e estima de quantos sabem aquilatar de sua capacidade de trabalho, amor e sofrimento. Merece que, em vida, lhe cultuem a memória.
Acontece que o Dia da Professora é ainda um dos dias da Semana da Criança. Coincidência feliz, pois é justo que se encontrem aqueles que nunca  se distanciam muito. Mas essa é outra história, que contarei outro dia, se oportuno.
É da lavra de minha ex-aluna, poetisa Vivaldina Queiros Martins, o hino  deste grupo,e que só hoje fiquei conhecendo melhor.
À Vivaldina hipoteco grande porção de minha alma. Ela que me conhece de longos anos, sabe que não mereço tudo quanto me atribui. Deus saberá recompensá-la, na medida de minha gratidão.
Às organizadoras deste festival deixo aqui toda a ternura de meu coração. A todos os presentes, o meu "muito obrigada".

28/11/1966
Palavras de D.Carmelita Guimarães

Por Maisa Fernandes